Existirmos, a que será que se destina?
Não somos imortais. No cerne de toda angústia existencial, esse imperativo da condição humana pode ser imensamente perturbador. No entanto, a ideia de transcendência, quando desvestida de seu caráter místico – ou apesar dele – pode ser instigante e provocadora: que memórias deixaremos de nós aos que vierem depois?
Para os gregos, viver uma vida que transcendesse a morte era uma forma de vencê-la. Para isso criaram os mitos de heróis incansáveis, que praticavam feitos inimagináveis, venciam árduas batalhas e nelas sucumbiam, deixando como legado histórias de coragem e destemor. Assim, jamais seriam esquecidos e o relato de suas façanhas atravessaria os séculos.
Construir monumentos, estátuas, pirâmides foram outras maneiras encontradas pelo homem para preservar a lembrança de seus feitos e registrar sua passagem por este mundo.
Não mudamos desde então. Resgatar a história de nossas comunidades, preservar a memória de outros tempos são ações fundamentais para a construção da identidade cultural de nossa cidade, estado, país – e a nossa própria, por consequência. Em cidades pequenas como a nossa, a possibilidade de interação com o passado ajuda a escrever a nossa historia e a construir noções de cidadania e pertencimento.
Ao passar pela Antiga Estação Ferroviária, com um pouco de imaginação, é possível ver, ao longe, a fumaça da locomotiva se aproximando, ouvir o burburinho das pessoas na plataforma, e, talvez, partilhar da alegria pelo retorno de um ente querido – ou da tristeza causada por inevitáveis partidas.
O mesmo se dá ao passarmos pelo Paço Municipal, pelo Bueno de Paiva, pela Ponte de Ferro e tantos outros lugares que evocam um tempo distante e, no entanto, tão próximo da nossa vida e da vida da nossa comunidade.
Quem foram as pessoas que construíram esses pontos de referência que hoje são parte de nossa cultura e identidade? Que sonhos sonharam ali? Que cidade pensavam construir? E, tão importante quanto: o que fazemos nós com esse legado? De que maneira eles nos motivam a dar significado ás nossas vidas através da compreensão de nossa história e da responsabilidade que temos nós em dar a ela relevância e continuação?
Essa ponte amorosa construída entre o passado e o presente são o único atalho possível para alcançar um futuro em que possamos nos reconhecer como indivíduos e como sociedade.
Urge compartilhar a indagação do poeta: “existirmos, a que será que se destina? ”
Nesses tempos líquidos, pensar sobre isso não deixa de ser uma tarefa heroica.
Márcia Maria de Souza
Conselho do Patrimônio Histórico Municipal